Entrevista: "Estou louca para pisar num palco e rasgar o peito!"


DEPOIS DOS TRINTA, GAL QUER VOLTAR A ACONTECER

Era a terceira vez que "Vatapá" era ensaiada. Naquele calor infernal, Gal Costa se empenhava ao máximo, movimentando-se na saleta de ensaios da gravadora Phonogram. Seus músicos é que demonstrava cansaço. Gal sentou-se ao lado do guitarrista Perinho e reclamou: 

- "Tá faltando molho. Aumenta o pique, Perinho!"

A uma ordem do líder, Rubão (baixo), Antonio Adolfo (piano) e Pedrinho (bateria) empreenderam um pique que deu a devida retaguarda rítmica à pulsante voz de Gal. Assim alegre, ela retomou a alegria, os vestidos floridos, o riso aberto:

- "O pique nunca deixou de existir, mas está muito mais forte agora. Estou louca para pisar no palco e rasgar o peito."

Quando isso acontecer, o público verá uma cantora cheia de garra e explosões, voltando ao gênero que abandonara nos tempos de "Cantar" e "Gal Canta Caymmi". Gal tem sido muito bem comporta, na voz e no palco. Ela analisa a mudança.

- "Esses dois últimos trabalhos da minha carreira, foram super gratificantes. O Caymmi, eu sempre admirei, mas não o conhecia pessoalmente. O show que fizemos juntos foi uma homenagem a ele, e só isso já tornava o espetáculo uma coisa muito difícil, corajosa. Ali, eu tinha de ter muita vitalidade, para compensar a quietude de Caymmi, e tentar equilibrar a coisa. Mas foi um show realmente genial."

São quase dez horas da noite. Gal está ensaiando desde as cinco, repassando músicas para conseguir aquele pique falado. Vestida de calça jeans, blusa vermelha amarrada na cintura, descalça, ela rodopia num minúsculo tablado de madeira, enquanto canta "Baby", a velha canção de Luiz Melodia, Gal está contente, e mais alegre fica ao lembrar dos "Doces Bárbaros":

- Foi um momento maravilhoso. Reencontrei Gil, Cae e Bethânia. Somos pessoas que se conhecem há muito tempo, e que nunca se encontravam, à vontade, pra discutir, curtir. Na Bahia, iniciando carreira, éramos jovens e idealistas, sonhadores que queriam tomar o Rio de assalto. Com os "Doces Bárbaros", tivemos a chance de nos expor, brigarmos, da forma mais despojada possível. Isso tudo nos enriqueceu muito. Bethânia, que sempre foi a mais desligada do grupo, entrosou-se no grupo de verdade. Éramos como irmãos, e havia muita tensão no ar. Ou você pensa que irmão não briga? Ninguém podia mentir e tivemos que rasgar nosso coração para conseguir nosso intento. Tudo era encarado como uma forma de criação, e resultou num despojamento total das individualidades, e extrema boa vontade de todos".

Às onze, Gal resolve parar. E, da Barra, seguimos para seu apartamento em Ipanema, "onde me seguro, enquanto as obras da minha casa na Barra, não terminam". Mal se abre a porta do sétimo andar, três cachorros, enormes filas, intimidam o visitante. Em poucos minutos,  Gal está se servindo de vatapá e algas marinhas, mistura que garante ser ótima. Na tevê, um tape de futebol. Gal, sorvendo uma cervejinha na lata, quer saber: "Rivelino joga bem, né, nego? Pelo menos, tem um chute arretado. Não entendo muito de futebol, mas me amarro no chute do Rivelino". Ao lado da amiga Vilma, Gal fica curtindo o jogo do escrete brasileiro, sem esquecer de repartir as atenções entre os três cachorros. Que continuam intimidando o visitante desavisado. Com os pés sobre o sofá - findo o tape, desligada a tevê, esgotada a cerveja, satisfeita a fome - Gal Costa fala sobre sua vida, sua carreira:

- "Agora, estou sentindo uma vitalidade muito grande nas pessoas, com relação a música. Uma vontade criar coisas bonitas e fortes. estou totalmente apaixonada pelo meu trabalho. Quero retomar as coisas que fiz em "Fa-tal" e "Le-Gal", mas de forma nova e madura. Muito ritmo. Não sei se é o verão, mas parece que tô renascendo. Aliás, dizem que depois dos 30, a gente cria alma nova. Acho que isso é o tal amadurecimento. Isso não quer dizer, absolutamente, que Gal Costa se acomodou. Pelo contrário. estou de olho, preparando o bote certo."

Resumindo. Em poucos dias, a brejeira Maria das Graças volta a dar lugar, no palco, a exuberante Gal, misto de mulher e pantera, disposta, como ela mesmo diz, a rasgar o peito e conquistar o público. E é essa mesma Gal Costa que se mostra enfezada, ao comentar as declarações de Fagner. O compositor cearense, tempos atrás, acusou o "grupo baiano" de se fechar em "igrejinha", impedindo a ascensão de novos valores. Gal está furiosa.

- "Mas isso é uma ingenuidade das mais tremendas. Nunca tive, ou tivemos intenção de prejudicar alguém. Se Fagner não acontece é por incompetência. Belchior é novo e já estourou muito na praça. Ele é sacador, é brilhante, coisa que já não acontece com Fagner. Isso é coisa de criança. Pior ainda. É uma forma para explicar incompetência. Aliás, quem é esse tal de Fagner?"

Gal desculpa-se: quer dormir.

Revista Música -  Texto de Eduardo Athayde - 1977

Comentários

  1. A Gal sendo franca e agressiva como Elis Regina.O Fagner sempre culpou o grupo da Bahia por querer ser donos da MPB.

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