Personalidade - 1987

A voz é de um cristal matutino. Seu nome é Gal. Uma cinderela balconista de discos em Salvador, que ouviu nos sussurros nobres de João Gilberto a profecia que seria  a maior cantora do país. A mãe, ainda com ela na barriga, cantava embalando o projeto de gente para que fosse quem fosse, nascesse cantora. Hoje, tudo isso é lenda e parece mentira de ficcão preguiçosa. Mas a voz está aí, na embalagem deste disco, estalando de viva e pulsante.

Maria das Graças Costa Penna Burgos não se tornou Gal Costa por acaso. Já estreou em disco (o avarandado Domingo de 67) dividindo os sulcos com o amigo Caetano Veloso, que não se achava suficiente cantor para um LP individual. Porta voz, Gal segurou o recado tropicalista na garganta que virou fera, felina, enquanto Gil e Caetano estavam banidos. A Gal do transformador "Baby", aqui reprocessado para tecnopop, entoava a canção de exílio "London, London" num replay de gerações, agora pelo RPM. A Gal-Fatal, personagem e musa das dunas hippies descalças do barato, virou uma cantora senhora de salto alto, na tradição das grandes divas dos nossos microfones. A estrela Gal. De "Tropicale e "Fantasia", puxado pela voz extensa nos reflexos de Dalva de Oliveira de "Olhos Verdes" e "Canta Brasil". A Gal educada na bossa de João Donato e Tom Jobim. Elástica intérprete de Erasmo e Roberto Carlos. Brejeira como Carmem Miranda (ela também canta com o corpo, alguém duvida?), capaz de revirar os olhinhos da voz nas páginas de "Folhetim" - "Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres que só dizem sim".

Pois sim. Embora eclética, seu repertório é destilado com rigor de estilista. De Augusto de Campos a Vlademir Maiskovisk, ela não faz por menos, sem perder a vocação de cantora de massa que lhe habita a garganta. Faca só lâmina, o gume de Gal cintila nos sacolejos dos ritmos e paira na calmaria das baladas. De Billie Holliday a Jamelão, sem escalas para explodir com fanfarras numa intensa "Festa do Interior". De corpo e alma.

Rio, 1987 - Tárik de Souza 

Repertório:

01 - London, London (Caetano Veloso)
02 - Azul (Djavan)
03 - Olhos Verdes (Vicente Paiva)
04 - Dom de Iludir (Caetano Veloso)
05 - Até Quem Sabe (João Donato e Lysias Ênio)
06 - Louca Me Chamam (Crazy He Call's Me) (Versão: Augusto de Campos)
07 - Meu Bem, Meu Mal (Caetano Veloso)
08 - Canta Brasil (David Nasser e Alcir Pires Vermelho)
09 - Baby (Caetano Veloso) - Participação de Roupa Nova
10 - Folhetim (Chico Buarque)
11 - O Amor (Caetano Veloso, NeyCosta Santos e Valdemir Maiakoviski)
12 - Olha (Roberto Carlos e Erasmo Carlos)
13 - Verbos do Amor (João Donato e Abel Silva)
14 - Estrada do Sol (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran)  
15 - Folha Morta (Ary Barroso)
16 - Festa do Interior (Moraes Moreira e Abel Silva)