Disco: Profana: Gal Costa retoma garra e ginga a todo vapor



É a glória nas alturas: os agudos de Gal Costa - aqueles - estão voltando a arrepiar. Lá em cima, onde poucas vozes da MPB conseguem se sentir confortáveis, ou eventualmente lá embaixo, onde o som sempre sai forçado. Gal anda barbarizando. E faz do seu décima sexto LP "Profana" (o primeiro pela RCA) uma retomada impressionante do velho pique, que angariou apaixonados dentro e fora do país.

Já estava na hora. Apesar do apuro técnico crescente, Gal vinha de uma triste sucessão de discos frios e shows gelados, feito uma falsa baiana. Agora não: aos 39 anos, 20 de carreira, ela reúne garra e ginga suficientes para ficar entre as grande de novo. Com um repertório perfeito. Gal vai da canção chorosa "Nada Mais" - versão de Ronaldo Bastos para a balada "Lately", de Stevie Wonder - ao suingue djavanesco de "Topázio". Ok, ela ainda não se dá ao luxo de dispensar abolerados (como "Chuva de Prata", de Ronaldo Bastos e Ed Wilson), nem os já obrigatórios frevos de verão, como "Onde Está o Dinheiro" (José Maria de Abreu, Francisco Mattoso e Paulo Barbosa) e "Atrás da Luminosidade" (Teca Calazans e Luiz Carlos Sá). Apesar disso, o novo disco de Gal anuncia o retorno à mais pura interpretação, aliada a uma fantástica miscelânea de guitarras (lideradas por Paulo Rafael) e arranjos caprichadíssimos (que vão de Severo e Lincoln Olivetti a Ricardo Segalli, do grupo Roupa Nova). Não por acaso, Gal incluiu no LP "De Volta ao Começo", de Gonzaguinha: "E é como se eu descobrisse que a força esteve o tempo todo em mim", canta ela, explicando tudo. O picadinho nordestino com "Cabeça Feita" (Jackson do Pandeiro e Sebastião Batista), "Tililingo" (Almira Castilho) e "Tem Pouca Diferença" (de Durval Vieira, com participação de Luiz Gonzaga nos vocais), lembra o clima quente de seus shows de dez anos atrás, quando Gal não usava salto sete e meio.
Mas é nas três faixas restantes que ela canta a todo o vapor: bate ali um coração tropicalista, deliciosamente fragmentado em referências de passado, presente e futuro. "O Revolver do Meu Sonho" (Wally Salomão, Roberto Frejat e Gilberto Gil) invoca Beatles, Arembepe e Jovem Guarda. "Ave Nossa" de Moraes Moreira e Beu Machado, é tropical-modernista: "Minha terra tem pauleira/Desencanta e faz chorar/Mas tem um fio de esperança/ Quanto canta e quando dança/No assobio do sabiá". Fechando o papo, há fogo que só mesmo Caetano Veloso poderia atear: "Vaca Profana", rock longo e brabo que mistura Paris com Nova York, Rio, Bahia, Belíssimo Horizonte, manada, cornos, São Paulo e energia. Gal, então, reza à vida: "Ê, dona de divinas tetas/Derrama o leite bom em minha cara/E o leite mal na cara dos caretas". Por que não? Por que não?

Revista Isto É - Rosangela Petta - 14/11/1984

Comentários

  1. É mais um vinil que guardo no meu acervo.Ótima resenha.O yê,yê,yê abolerado é bonitinho,vai...

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  2. é um belo disco. a canção o revolver do meu sonho pra mim é a cereja do bolo. realmente é uma ''cantora moderna''

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