Critica: Show "Lua de Mel" - Gal com diabinhos na voz
Gal é sempre Gal. Esta afirmativa é imprescindível
para quem se avizinhar da cantora baiana. Pois só ela mesma conseguiria
transformar o pasteurizado em pérolas de interpretação. Se seu último disco não
mostra novidades e traz arranjos repetitivos, seu show “Gal Costa”, que estreou
na quinta-feira (28/1) no Scala II, depois de um adiamento e da ameaça de
outros em virtude do incêndio que atingiu o andar de baixo da casa de espetáculos,
esbanja sonoridade e ousadias vocais.
Quase onze horas, quando em off Caetano Veloso
puxou a amiga ao palco, afirmando que “no meio do lixo está o diamante”, contra
a mesmice e a falta de inteligência. O Scala estava todo escuro e acendeu-se
para a entrada de Gal, com os cabelos soltos, vestindo um jeans desbotado e uma
mini-blusa de linho azul marinho, abotoada apenas na cintura e com um generoso
decote. Ela entrou cantando “Quem Perguntou Por Mim”, de Milton Nascimento e
Fernando Brant, que está no penúltimo LP, “Bem bom”, e logo emendou com “Todo o Amor Que Houver Nessa Vida”, de Cazuza e Frejat, um rock onde se mostrou
desinibida, brincando com a plateia e com os músicos da banda que a
acompanhava. Entram de sola em “Me Faz Bem”, também do Milton, que recebeu
arranjos mais adequados e começou a empolgar um público já bastante
impressionado com “Ultimo Blues”, de Chico Buarque, que está na trilha sonora
do filme “Ópera do Malandro”. Era própria imagem da sensualidade. Derretia-se
para as primeiras mesas, sorria, enroscava-se no tecladista, sentava ao colo do
guitarrista. Um momento mais intimista veio com “Viver e Reviver”, uma versão
de Fausto Nilo de “Here, there and everywhere”, de Paul McCartney e John Lennon.
Todo mundo cantou com ela “vão dizer que são tolices, que podemos ser felizes”,
de “Nada Mais”, outra versão, feita por Ronaldo Bastos da canção de Stevie
Wonder.
Já que estávamos na hora das versões, Gal atacou
com mais uma, que fez os representantes da geração que viveu o sonho dos anos 1960
se envolverem em melancolia e saudosismo, “Negro Amor”, de Bob Dylan, vertida
para o português por Péricles Cavalcanti. “Hotel das Estrelas”, de Duda e Wally,
veio a seguir e “O Amor”, de Caetano, música feita para a encenação da peça “O
Percevejo”, de Maiakovski, no final da década de 1970.
O momento esperadíssimo veio então. Gal pegou seu
violão e parecia que a manhã ia nascer azul, quando sua voz passeou pela
fantástica letra de Caetano, “O Ciúme”. Continuando na trilha do irmão de fé e
amigo, e a tocar o violão, ela dedilhou “Sorte”, deixando que os espectadores
cantassem. Enquanto isso, holofotes procuravam “gente famosa” nas mesas da
frente, que estavam em sua maioria ocupadas por convidados de Chico Recarey.
Gal não desafinava, mas a plateia...
O requinte veio com “As Bachianas nº 5”, de
Villa-Lobos, que arrancou aplausos antes mesmo de terem sido dados os cinco
acordes iniciais. Havia, entretanto, um estranho eco que impedia o desfrute
total da interpretação. Bastante segura, Gal não se deixou levar nem um minuto
pela imponência da música. Cantou impecavelmente.
Logo o rock voltou à cena, com “Brasil”, de Cazuza,
George Israel e Nilo Romero e os bons tempos da TV Record também, com “Divino Maravilhoso”,
de Gilberto Gil e Caetano Veloso, que diz, de forma extremamente atual, “é
preciso estar atento e forte/ não temos tempo de temer a morte”. Gal deixa o
palco para trocar de roupa pela primeira vez e volta com um modelito preto, um
tubo justo e decotado com um laçarote rosa-choque na altura da cintura. Um
tanto ou quanto “Sonho de Valsa” demais ou então “Ah, se Ana Carolina tivesse
visto antes”.
Apesar de “embrulhada para presente”, Gal não embrulhou
ninguém e prosseguiu com “Todos os Instrumentos”, de Joyce, que faz parte do
seu último disco. Em “Volta”, de Lupicínio Rodrigues, ela arrasou a plateia,
que se comovia com os insistentes pedidos: “Volta, vem viver outra vez ao meu
lado/ não consigo dormir sem teu braço/ Pois meu corpo está acostumado”. Mestre
Caetano retorna outra vez com “Vaca Profana”, a dona de divinas tetas que
enfrentou alguns problemas com a censura. Porém, é em “Arara”, de Lulu Santos,
que Gal volta aos momentos inesquecíveis de “Gal Tropical”, show de 1979, onde
acompanhava com a voz o solo de guitarra, fazendo da garganta um instrumento.
Chega a dar saudades. Ela saiu novamente para vestir o derradeiro modelo da
noite, um vestido vermelho de rumbeira, com o qual canta “Sou Mais Eu”, de
Michael Sullivan e Paulo Massadas, e encerra o show. O bis é pedido e ela
repete “Brasil”, mas não passa disso.
Lúcia Santa Cruz - Tribuna da Imprensa/RJ, 02/01/1988
Enviado por Tiago Marques
Ótima resenha.
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