Show: Gal e Bethânia forjam seu reencontro


foto: alexandre campbell

Latifundiárias da arte de cantar MPB, as baianas Gal Costa e Maria Bethânia repetem hoje e amanhã em São Paulo, os shows conjunto que fizeram semana passada no Rio de Janeiro. É a primeira vez, provavelmente, que dão tratamento profissional aos encontros esporádicos que vêm fazendo ao longo de suas três décadas e meia de carreira.

Embora a gravadora a que ambas pertencem, BMG, seja reticente quanto a isso ("existem possibilidades", eles afirmam), o show tem toda a cara de que virá a se transformar em CD daqueles duplos, ao vivo, que ultimamente têm saído mais que mexerica em supermercado.

Nesse caso não é de todo injustificável, pelo que se pôde ouvir na estréia carioca, sábado passado. O show tem mesmo sabor de acontecimento histórico, em especial nos rapidíssimos minutos em que Gal e Bethânia, juntas e distantes uma da outra, cantam "Sol Negro", do brother Caetano.

É canção do primeiro LP de Bethânia, de 65, em que fazia participação especial uma tal Maria da Graça, bossa-novista tímida que pouco depois ensinaria ao país que seu nome era Gal. A versão, fiel à original, é madura, pesada, sufocante, inesquecível.

É pena que haja o clima "maracutaia de luxo", cada uma das artistas recauchutando seu show anterior, "A Força Que Nunca Seca", de Bethânia, e o "Gal Canta Tom Jobim", de Maria da Graça - que, aliás, já são discos ao vivo.

Bethânia ainda anima o auditório, bem interpretando tudo aquilo que já se sabe e mais "O Ciúme", aquela em que Caetano fala do "velho Chico", o rio São Francisco, parecendo falar de outro Chico - seria um achado transferir o ciúme para Bethânia e Gal, mas elas não o fazem.

No solo de Gal, entretanto, cria-se a bolha de ela cantar exatamente as mesmas jobinianas de seis meses atrás, mais, bingo, "Baby" e "Aquarela do Brasil".

Recauchutados também são os duetos/duelos. Vai lá outra vez: "Oração à Menininha" elas cantaram juntas (e ao vivo) em 73, "Os Mais Doces Bárbaros" e "Esotérico" são do show-disco dos Doces Bárbaros (76, elas mais Caetano e Gil), "Sonho Meu" foi dueto em 78.

Há acréscimos. Abrem o show com "Os Mais Doces Bárbaros", com Gal fazendo o agudo e Bethânia se derramando no grave, dupla caipira em alto grau de sofisticação; na "Oração", cantam cada uma na sua, mas sem a habitual tensão em seus encontros - Gal arrasa na interpretação.

É vibrante, também, o bate-bola do final, no pot-pourri de lambidas à Bahia natal e no segmento em que atiram as belezas já quase tradicionais de Roberto e Erasmo, Chico e Caetano.

Mas, ah, a esperteza das ladinas... Fazem-se de embevecidas em seus banquinhos, uma olhando a outra solar, até que a sentada suba e profira o último verso de cada canção. Ou seja, são duetos que não são duetos, que elas não tiveram o trabalho - ou a dificuldade- de ensaiar.

Fica evidente no bis de "Sonho Meu", a tensão implícita como ar úmido no ambiente. Não vem das entranhas o encontro das duas, parece penoso estarem juntas, vozes que talvez se acreditem grandes demais para ocupar o mesmo lugar no espaço.

São razões delas, nem cabe ao público querer decodificar o porquê de serem frontalmente burocráticas no (re)encontro. É grande evento de qualquer forma. Mas, moças importantes, seria ilegítimo ainda sonharmos que vocês se unissem para oferecer algo realmente excepcional?


Pedro Alexandre Sanches
Folha de São Paulo - 19 de fevereiro de 2000.

Comentários

  1. Pedro Alexandre Sanches e suas pequenas provocações - Apesar que... Elis Regina também não gostava de dividir o palco com ninguém,ainda mais com outra cantora do porte dela.

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