Crítica: Recanto - Para não esquecer



“Recanto” poderia ser o novo disco de Caetano Veloso, a diferença está na voz. A grande voz de Gal Costa. Essa cantora, que no início de sua carreira esteve ao lado de visionários que elevaram sua garganta privilegiada ao posto supremo da música brasileira e que anos mais tarde, já dona de suas escolhas, comprometeu seu passado de glória com breguices e repetições, está de volta ao lugar de onde nunca deveria ter saído: a casa das mais belas, transgressoras e sofisticadas canções.

Meu coração oscila e palpita quando ouço Gal Costa. Tem dias que sinto vergonha de tanta paixão. Tem horas que tenho vontade de apagar o meu HD e ficar somente com sua discografia essencial. No momento em que escrevo esse texto estou na segunda alternativa.

Quem pode alcançar notas tão agudas sem ferir ouvidos mais atentos ? Quem consegue se manter musa intocável durante todos esses anos e ser a referência principal de Marisas, Marinas, Robertas e  Vanessas ? Somente Gal. Para sempre Gal. Mas vamos ao disco.

A música eletrônica padece de um preconceito imutável dentro da canção brasileira. Uns acusam esse estilo de perigoso e com data certa para envelhecer, outros quando chegam perto de teclados e computadores abusam da pretensão ou cometem equívocos que naufragam qualquer intenção. Mas tem uma turma carioca que usa bem dessas artimanhas e dominam o mercado quando o assunto é futurismo. Kassin, Domenico Lancelotti e Moreno Veloso deram a partida corajosa nesse esquema e se deram bem. Nove entre dez estrelas fizeram, fazem ou farão discos sob a assinatura desses três reis magos. Sem esquecer , é claro, dos pioneiros  Suba e Apollo Nove, dois produtores radicados em São Paulo, que fizeram lindos discos com Bebel Gilberto, Marina Lima e Cibelle. E também tem Rodrigo Campello, Lucas Santanna e Carlos Trilha. Então...música eletrônica brasileira existe !

Gal Costa, de tempos em tempos, acorda com desejos de vanguarda. Nessas horas se torna a rainha soberana da modernidade. Foi assim nos primórdios de sua carreira com Rogério Duprat, Macalé e Lanny Gordin revestindo com guitarras e acordes dissonantes o seu canto visceral e rasgado, em seguida com o  álbum visionário “Cantar”  (que foi demolido pela crítica e hoje é manual de referência para cantoras de estilo xerox) e durante a sua maturidade quando produziu dois momentos absolutos: “O Sorriso do Gato de Alice” e “Hoje”. O primeiro causou polêmicas e muito barulho com direito a Gerald Thomas e topless, o segundo o tempo dirá sua importância porque não teve, na minha opinião , a repercussão que merecia.

E agora Gal está de volta ao seu lugar de merecimento . “Recanto” é o disco/assunto que seus fãs e detratores queriam para encerrar esse ano que esteve lotado de novidades geniais e constrangimentos desesperadores. Feito um filme de David Lynch ou Luis Buñuel, o disco está cheio de setas falsas na direção do óbvio (“Mansidão”), é repleto de mares musicais nunca dantes navegados (“Autotune Autoerótico”)  e letras de Caetano Veloso que não vieram esclarecer e sim confundir, no melhor sentido, nossas cabeças tão cheias de obviedades e fórmulas manjadas (“Miami Maculelê”)

“Recanto” é um disco que não convida ouvintes viciados em repetições, está bem longe das unanimidades e foge dos conteúdos comerciais, por isso mesmo, soa tão sedutor e causa dependência imediata. A foto extraordinária feita por Gilda Midani (iluminando o rosto de Gal com uma nobreza rara), tão pouco revela o conteúdo desse disco cheio de veredas da salvação para o canto dessa verdadeira baiana. Mistérios gozosos e sedutores.

Se você espera que, depois de tudo que escrevi aqui, eu ainda vá cometer uma descrição faixa a faixa do álbum está muito enganado. A partir desse momento me calo e retorno à audição ininterrupta desse projeto/disco que poderá salvar Gal, durante algum tempo, de álbuns mornos e canções surradas. Ou será para sempre ?

Por Zé Pedro - Dezembro de 2011

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