Disco: "Água Viva" - Cantora escolhe o pior para mostrar que é a melhor

Texto enviado por Tiago Marques


Uma das maneiras mais diabólicas que uma intérprete de música popular usa para mostrar que é uma grande cantora, é gravar de maneira impecável um disco composto praticamente só de músicas alienadas e medíocres. E esse feito maldoso acaba de ser conseguido pela excelente veterana cantora baiana Maria da Graça Costa Pena Burgos, a Gal Costa, em seu recente LP “Água Viva” (Philips 6349 394).

Escolhendo a dedo basicamente um repertório de música de cansados ídolos e seguidores da música popular brasileira da era da bossa nova e do baianismo tropicalista, Gal Costa teve o cuidado de incluir – a título de contraste – três trabalhos de compositores, símbolos de real qualidade em outras três diferentes épocas: “Olhos Verdes”, do maestro Vicente Paiva (1908-1964), representante das décadas de 1920 e 1930; “O Bem do Mar”, de Dorival Caymmi (1914), que atingiria o auge nas décadas de 1940 e 1950. e “Folhetim”, de Chico Buarque de Hollanda (1944), herdeiro das melhores qualidades das gerações passadas a partir da década de 1960 até hoje.

Como ironia, Gal Costa não poderia conseguir melhor. Isso porque, de fato, ouvindo o disco, chega-se à conclusão de que as três melhores músicas de todo o LP são, realmente, as de Vicente Paiva, Dorival Caymmi e Chico Buarque de Hollanda. Em “Olhos Verdes” (que Dalva de Oliveira lançou com sucesso em 1951, e Elizeth Cardoso regravaria em seu LP “Muito Elizeth”, de 1966) Gal Costa dá um show de interpretação homenageando claramente a intérprete criadora da música, na imitação que faz de certos tiques de vocalização de Dalva de Oliveira. Em “O Bem do Mar”, a curta e bonita canção em que Dorival Caymmi volta a seus melhores momentos de compositor das praias da Bahia, Gal Costa revela uma sobriedade que demonstra a melhor compreensão do espírito da música. E, finalmente, no bolero “Folhetim”, de Chico Buarque de Hollanda, um bolerão de inferninho de segunda classe, em absoluta coerência com o tipo de dama focalizado na letra, a cantora se consagra definitivamente: é Gal Costa, a intérprete criadora de “Folhetim”, no mesmo sentido em que Dalva de Oliveira ficaria até hoje como a intérprete criadora de “Olhos Verdes”.

Quanto ao restante, Gal Costa não precisava ser tão cruel. Porque, de fato, o restante é o resto. “Vida de Artista”, de Sueli Costa e Abel Silva, não passa de um retardado subproduto da bossa nova, sob a forma de um foxezinho americano de pé quebrado. Assim como “Mãe”, de Caetano Veloso, também casa o velho fox com o iê-iê-iê (parece que o fox das décadas de 1930 e 1940 está voltando!). “Cadê”, de Milton Nascimento e Ruy Guerra, não vai além de um pequeno exercício de música americana por principiante brasileiro. O que da mesma forma acontece com “Paula e Bebeto”, de Caetano Veloso e Milton Nascimento, variando apenas a experiência para som de discoteca. “De Onde Vem o Baião”, de Gilberto Gil, e “Qual é, Baiana?”, de Caetano Veloso e Moacyr Albuquerque, que poderiam eventualmente ser consideradas músicas brasileiras aceitáveis, soam ambas pelos arranjos e acompanhamentos como música de massa internacional. E, finalmente, “Pois é”, de Tom Jobim e Chico Buarque, e “O Gosto do Amor”, de Luiz Gonzaga Júnior, são apenas repetições: “Pois é” sob a forma de variações de Tom Jobim em torno da melodia de “Apelo”, de Baden Powell, e “O Gosto do Amor”, praticamente a superposição da letra assinada por Luiz Gonzaga Júnior sobre a música que deveria ser assinada por seu pai, Luiz Gonzaga, pois é a mesma do baião “Vem Morena”, composto por Luiz e Zé Dantas em 1950.

Ah! Gal Costa, Gal Gosta! Você para mostrar que é boa cantora tem cada uma...

Texto: José Ramos Tinhorão

Comentários

  1. Tinhorão e suas polêmicas.A qualidade da cantora ele ressalta,o resto é só exigência absurda do último dos puristas.

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  2. Qnta for de cotovelo heim bonitão, boom mesmo são os artistas do Faustão.

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  3. Nunca vi tanta baboseira como nesse artigo, criticar esse disco só vai rindo kkkkkk.

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  4. Tinhorão errou e muito nesse artigo.

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  5. Apesar de não concordar com as críticas de Tinhorão,adoro seus textos,se é que me entendem,rs.

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  6. A Gal no esplendor dos 33 anos foi chamada de veterana pelo crítico,tá certo que ela começou cedo,mas....

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  7. O álbum marca uma guinada na carreira de Gal,depois da Gracinha bossanovista e o furacão tropicalista,passando por um songbook de Dorival Caymmi,Gal Costa incorpora a amplitude de cantora de música-popular-brasileira,ou melhor,a típica cantora de MPB.

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  8. Primeira vez que vejo alguém falando mal desse disco. Primeira mesmo.

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