Disco: Aquele Frevo Axé - O melhor da cantora desde "Plural", de 1990


"Aquele Frevo Axé" coloca de novo Gal Costa na linha de mira até dos fãs que se desinteressaram por seus últimos discos. Desde "Plural", de 1990, a cantora não fazia um trabalho que provocasse muito alvoroço por falta de novidades.

"Gal" trazia o repertório do show "Plural" que não estava no disco anterior. "O Sorriso do Gato de Alice" reunia canções de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Ben Jor e Djavan, que sempre povoaram seus discos. "Mina D'Água do Meu Canto" se dividia entre Caetano e Chico Buarque, compositores que ela gravou a vida toda. "Acústico" era uma retrospectiva de sua carreira, no formado que sempre a caracterizou.

Não que ela tenha abandonado seus prediletos (e Celso Fonseca é um deles), mas a mudança de produtor fez bem a cantora. Entre erros e acertos, ela trabalhou nos últimos discos com Wally Salomão e Léo Gandelman, Arto Lidsay, Jaques Morelembaum e duas vezes com Mazzola.

Ninguém deve esperar de Gal, a essa altura da carreira, uma mudança radical. Mas como um toque de modernidade é sempre bem vindo, escolheu o produtor mais adequado. Fonseca não é tão radical como Memê (que Lulu Santos adotou), nem tão surpreendente quanto o DJ Soul Slinger. Mas atua bem na ponte entre a MPB tradicional e o mundo eletrônico, o que faz com que a incursão de Gal pela nova trilha não caia no ridículo de embarcar no tecno ou drum'n'bass só pra se sentir "atualizada".

A transição é sutil. Mas embora Gal tenha ficado livre das mesmices de Jaques Morelembaum e das orquestrações de Wagner Tiso, as cordas persistem em quase excessos por obra de Eduardo Souto Neto.

Afora isso e até como contraponto sonoro, "Aquele Frevo Axé" é um disco de referências. A voz de Gal remete ao seu seu jeito de interpretar do álbum "Cantar", de 1974, especialmente nas canções mais delicadas, como  a bossa que dá título ao disco, que parece ter saído da mesma fôrma de "Desde Que o Samba é Samba". Caetano, aliás, assina as canções mais melancólicas do disco - além da já citada, "Você Não Gosta de Mim" e "Sertão", em parceria com o filho Moreno.

Gil não comparece dessa vez, mas tem sua "Expresso 2222" citada na versão moderna de "Qui Nem Jiló" (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira). Aqui aparece a Gal de "Barato Total". Tom Jobim, outro de seus prediletos, também é só citado (Garota de Ipanema), no fim de "Calling You", que virou bossa e traz uma das mais melhores interpretações do disco.

Outros dos grandes momentos é "A Voz do Tambor" (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos), que junta as caixas de folias de Minas com viola caipira e a voz de Milton Nascimento. O dueto com a cantora, compensa, enfim, os deslizes dos primeiros em 1983, no disco ao vivo de Milton.

"Habib" de Jorge Ben Jor, vai além da referência, no mau sentido. Se pelo título alguém pensou em alguma sequencia da ótima "Tuareg", que Gal gravou em 1968, enganou-se. Parece mais um desdobramento de "W/Brasil", com outra letra.

O arranjo de "Quase Um Segundo" (Herbert Vianna) lembra algo de Beatles na abertura. A bela "Assum Branco" é um contraponto a "Assum Preto" (Luiz Gonzaga), um dos marcos da carreira de Gal, gravada por ela no no clássico "Fa-Tal", de 1971. Gal percorre a intrincada melodia com delicadeza e precisão. Mas, ao contrário de parecer distante, como em algumas de suas gravações recentes, soa mais espontânea, equilibrando técnica e sentimento.

Outra curiosidade em termos de interpretações está na discursiva "Esquadros" (Adriana Calcanhotto), que exigiu um certo esforço da cantora, acostumada a canções melódicas. "Que Beleza" também é feita de reticências rítmicas e vocais e o arranjo, entre um funk e um pseudoaxé eletrônico, é um dos mais radiofônicos do disco, para não dizer pegajoso. Cada um traduz como quer.

Como o velho e bom Tim Maia, é preferível ter a voz de Gal nas ondas do rádio do que qualquer pagodeiro. Ainda que a faixa tenha mais apelo comercial do que artístico. E não se trata de mais um songbook, não é ao vivo e nem acústico. Isso já é uma façanha.

Lauro Lisboa Garcia - Jornal da Tarde - 2 de dezembro de 1998.

Comentários

  1. Ótima resenha,mas aquele álbum da Gal de 1992 é primoroso.Parece que é um dos favoritos da cantora também.

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  2. Acho que o cara se equivocou ao negar a importancia de Gal 92 e O Sorriso do Gato de Alice

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  3. O único deslize de Gal no disco "Ao Vivo" de Milton (1983), foi ter trocado o trecho "... é triste ter pouco sol" por "... é triste não ter sol" ao interpretar "Solar" -que, aliás, ficou linda no dueto com o cantor carioca/mineiro. Já em "Um Gosto de Sol", a baiana mostrou-se divina ao entrar "de passagem" na canção do Bituca e finalizá-la com belos vocalises, fazendo mais uma vez a voz de instrumento musical.

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