Crítica: Gal Canta Tom Jobim ao Vivo


O jogo já começa ganho. Gal Costa, a mais versátil e bem aparelhada cantora à bordo da obra de um dos maiores compositores da MPB, Tom Jobim, acompanhada por um grupo de músicos de primeira, liderados pelo pianista Cristovão Bastos. Gravado em setembro de 1999, no Palace de São Paulo, sob a direção de Jodelle Larcher e produção musical de Mazzola, este DVD de aproximadamente 80 minutos explora pouco os recursos da nova tecnologia. Há apenas uma curta entrevista com a cantora, sua discografia, opções de áudio (Dolby Digital ou PCM Estéreo) e legendas em português, inglês e espanhol, além da sequência do set list. O DVD destila uma postura de recital onde Gal desfia 23 músicas de Jobim sozinho ou com os parceiros Newton Mendonça, Dolores Duran, Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Ray Gilbert. "Fotografia" abre os trabalhos em sua delicadeza confidente que conduz aos machucados amorosos de "Por Causa de Você", ambiente típico da romântica Dolores Duran. Pra quebrar a previsibilidade da sovada "Garota de Ipanema", Gal inicia o número em português e fecha em inglês."Derradeira Primavera" mostra o lado camerístico da bossa nova, logo rebatido pelo suingue de "Wave" com scat vocal acoplado ao improviso de piano de escalas de sax ao fundo. A partir daí, o show decola de sua placidez sempre com a platéia no contraplano e palmas comportadas. O ritmo picotado de "Brigas Nunca Mais" e "Discussão" em pot-pourri dão a oportunidade à cantora exibir seu fraseado ágil.

Ele atinge o pico no falso samba empolgação "Piano na Mangueira", na verdade um cipoal de dissonâncias muito bem colocadas, especialidade de Jobim. O encontro de sua obra com o cristal de Gal ("ia fazer esse disco com ele que foi pra mim um mito, fez parte da minha formação", comenta ela na entrevista) tem mais esse encaixe. Como as músicas do compositor transmitem uma noção artificial de simplicidade, também a interprete parece desempenhar sua função com aparente naturalidade de quem canta no chuveiro. Pena que o DVD (esse invasor de privacidade) permita espioná-la em plena leitura de letra de "Samba do Avião" (dispensável até nas rodas de karaokê) e no inglês ainda assim fluente de "Bonita". Mais adiante, ela é acompanhada em close por tamborim batido na mão em "Chega de Saudade" e "Desafinado", piano em clusters em "Chovendo na Roseira" e palmas (da platéia0 no raro "Frevo", da peça "Orfeu da Conceição".

Apesar da atmosfera conservadora com discretas aparições de fotos de Jobim no cenário e uma Gal com pose de diva, quase estática (nem caberiam as corridinhas no palco do passado, ou look Gerald Thomas, com os seios de fora) esse "Canta Jobim" vale pelo documento do encontro (póstumo, é verdade) de uma obra com sua intérprete feminina vocacional. Já que do lado masculino, João Gilberto não deixou pra ninguém.

Tárik de Souza - Clique Music - 14 de fevereiro de 2001

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