Disco: Bem Bom: Abram alas pra Cantora


Como vocês devem saber, a imprensa recebe discos de gravadoras antes que todo mundo, antes mesmo das lojas. Por isso, tenho lido uma batelada de comentários publicados em jornais sobre o novo disco de Gal Costa. E reparei que quase todas abordavam em detalhes os autores, música por música, as letras (reproduzindo trechos, nesse procedimento tão discutível, por permitir a indução de uma errônea interpretação de uma canção), das orquestrações, as fases ou o posicionamento de cada compositor (ninguém ganhou duas músicas no LP) - enfim, uma esmiuçada análise do que foi escolhido pela Gal e seus produtores, mas como se fosse um disco de um compositor.

Muito pouco se falou sobre o principal, a performance da mais admirável cantora do Brasil dos tempos atuais. E não só a performance: o seu sentido de não enquadrar o repertório em função de sucessos anteriores, para colher brilhos enganosos, numa atitude oposta às Simones da vida, para quem cada faixa de um LP é como uma posição de jogador no futebol. Gal Costa soube, mais uma vez, entender a gravação de um disco com a mesma profundidade dos maiores cantores do mundo, isto é: de que isso é a sua obra artística para o futuro.

Pois nessa fase invejável de sua carreira, Gal deixa mais um marco positivo: voz brilhante e cristalina, atauqes macios e precisos, uma refinada elegância de frasear, segurança absoluta na ascensão para as notas mais agudas, sutis diferenças na forma de sincopar a mesma frase na repetição, e a maior naturalidade no caminho por intervalos intrincados - são elementos que se descobrem, com o maior prazer, ouvindo esse disco.

O LP "Bem Bom" - mesmo título de uma bossa nova de Arrigo Barnabé, Eduardo Gudim e Carlos Rennó - tem duas canções de destaque e nada fáceis de serem cantadas: a própria "Bem Bom" e a belíssima "Quem Perguntou Por Mim" (Milton Nascimento e Fernando Brant). Sobretudo nestas duas faixas, uma lição de Gal Costa, a quem sabe cantar, a quem não sabe e quer, a quem pensa que sabe e à maioria de seus admiradores, os que podem e não sabem cantar, mas cantam por dentro.

Zuza Homem de Mello - Revista Som Três - 1985

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