Disco: Lua de Mel Como o Diabo Gosta


De costas - e que costas - na capa. De frente para as baladas, com sotaque tecnopop no repertório. cantando o fino: a voz trafegando solta enre a pluma e a lixa, a despeito dos acidentes de percurso comuns às megasestrelas do circuitão pop; algumas sequências óbvias de teclados, certa anemia melódica, letristas nem sempre inspirados. Ainda assim, o novo LP de Gal Costa - "Lua de Mel Como o Diabo Gosta" (RCA)", - tem o irrecusável perfil de campeões de audiência. o penúltimo a entrar na arena natalina, antes apenas do peru da festa, o tradicional LP de Roberto Carlos. O novo de Gal recebeu pedidos de 200 mil cópias e começa a desembarcar nas lojas na próxima terça-feira.

No carrossel de fornecedores do LP, o guitarrista Lulu Santos fica com a parte do leão. De uma de suas três músicas incluidas no disco, aliás, vem a frase do título, o sestroso rocklero (casamento de bolero e balada rock) "Lua de Mel", umedecido pela guitarra havaiana do especialista Rick Ferreira. "Creio", ouro rocklero de Lulu, é menos interessante que a estridente "Arara", que permite uma anatômica performace à voz de Gal dentro da sugestão espacial da ave da letra. "Não me reprima, não me azucrina, não me aluga, se não posso virar uma arara", esvoaça o texto em estímulo à distorção de acordes.

Caetano Veloso (Tenda) e Djavan (O Vento, parceria com Ronaldo Bastos) comparecem em low profile. faixas que pouco acrescentam aos currículos doa autores e apenas recheiam o disco de Gal, com a farinha da previsibilidade. Curiosamente ambas remetem a um nostálgico aroma da música nordestina. "O Vento" lembra uma velha canção de Gilvan Chaves, "Tenda" cita a Mulher rendeira dos cangaceiros de Lampião, adaptada para o cinema no premiado filme de Lima Barreto de 1950. Ainda na tecla da sedução passadista, os Beatles baixam em "Viver e Reviver", versão de Fausto Nilo para "Here, There And Every-Where", balada padrão da dupla Lennon e McCartney.

Autor de letra e música, um sensual Milton Nascimento insinua-se na melifrua "Me Faz Bem"*("respirar tocar seu corpo solo no cio/ser eu velho lobo do mar/que não se de navegar/pois muito tesouro existe por lá"). No arranjo do produtor Guto Graça Melo (que também toca bateria em algumas faixas) irrompe um curioso embalo de marcha rancho pop, pavimentada pelos teclados de Ricardo Cristaldi e Robson Jorge. Gonzaguinha também insinua misturas, uma primeira parte devotada ao rock, a segunda entre xote e o baião, para a tépida "Morro de Saudade".

Em polos opostos rolam as faixas mais salientes do disco, ambas dentro do recorrente tema de exalação ao ofício musical. A dupla de kit makers Michael Sullivan e Paulo Massadas esbaldam-se num rock rasgado com arranjo de Lincoln Olivetti e uma fita de aplausos criando um clima de gravação ao vivo para "Sou Mais Eu". Gal aproveita a espiral melodia para brincar com o trompete e guitarra com a voz transfigurada. A letra relaciona clichês. "Todos os Instrumentos" tem aquele cuidado harmônico das delicadas canções de Joyce, em oposição ao oba oba da faixa anterior, mas também sublinha que " o perfeito existe em todo o som". Só que a letra joga com os vários sentidos, inclusive o divino, da criação, e procura garimpar belezas yin e yang "no sujo e no cristalino, na voz do cantor, na loucura e no desatino'. Um fecho dialético para o conflito entre o belo e o banal das canções deste disco.

* ao contrário do que diz a crítica, a música "Me Faz Bem" não é assinada sozinha por Milton, é parceria com Fernando Brant.
Tárik de Sousa
Jornal do Brasil - 10 de dezembro de 1987




Comentários

  1. ''Tenda'' e ''O Vento'' são as melhores do Long Play que guardo com fervor.O crítico não gostou,claro.

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  2. Natal de 1987..... Eu........... meus 15 anos recém cumpridos....... uma fita K7, muita expectativa e adrenalina....com os primeiros acordes de Arara, minha intuiçao me disse que o disco seria ruim.... a voz estaba maravilhosa e tinham passado 2 anos desde o seu último lançamento, nunca havia tido que esperar 2 anos.... e agora isso.... rezava para que fosse só a primeira música e tudo mudasse a partir da segunda......... a segunda era Tenda.... nao faz falta dizer nada mais... tudo se foi ao caralho......
    Tenda disputa com Sutis Diferenças (Baby Gal/1983) o título de música mais fraca de Caetano feita para Graça.
    Minha primeira frustraçao com Gal... tive que "aprender" a gostar do disco, depois li por aí.. "arranjos bolo de noiva", "pastiche pop descartável" ... me doía, mas sabia que era certo....
    Sensaçao similar exatos 10 anos depois ...Acústico MTV, outra vez............ arranjos, desta vez, burocráticos, barrocos, engessados e que a engessaram, a partir daí, até Recanto, o lanzamento mais empolgante, para mim, foi, em 2002, a coletânea Duetos
    Com Recanto pude "resgatar" Todas as Coisas e Eu, através de outro prisma, como um Songbook, o de Tom ouvi mais.... Aquele Frevo Axé , a faixa título, Esquadros e Calling You...
    De Bossatropical e Hoje, salvo 3 músicas de cada, mas nao os saco do case nunca, me provocam tristeza..... De Tantos Amores.... a morte.

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  3. Os discos que ela fez na RCA Victor são muito insossos. Baladas açucaradas, arranjos com teclados de churrascaria, interpretação melosa e demagógica. Em 1984 ela lançou aO sorriso do gato de Alice onde sacudiu o mofo, mas depois engessou se novamente

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