Disco: O Sorriso do Gato de Alice: A baiana traça o que vier
Gal Costa, a ousada: timbres inesperados e improvisos sem palavras
"Gal Costa é o tipo da diva que não teme cair do pedestal. Seu novo disco o 20º, arrisca a partir do título de refinado humor "O Sorriso do Gato de Alice". representado na capa pelo solitário close da boca da cantora. O verso foi extraído de "Errática", uma homenagem de Caetano Veloso, seu parceiro vocal no LP de estreia "Domingo", de 1967. Caetano é um dos quatro medalhões que fornecem repertório de inéditas do novo disco, ao lado de Jorge Ben Jor, Djavan e Gilberto Gil. Tratado com padrões acústicos, na contramão da ditadura tecnológicas das FMs, o disco ainda conta com uma luxuosa intervenção de Paulinho da Viola. "Minha admiração por Gal ultrapassa qualquer esforço no sentido de definir sua arte e seu encanto", elogia o sambista no encarte.
"Gal e eu temos uma certa timidez, mas a gente não precisa falar muito, porque um sabe o que o outro sabe", definiu Caetano numa entrevista. "É como se dois monges tivesse tido a mesma iluminação ao mesmo tempo", descreveu. A afinidade da dupla fornece alguns dos melhores momentos da gravação, realizada entre Rio de Janeiro e Nova York, com produção do americano-brasileiro Arto Lindsay, o mesmo que costuma assinar discos de Caetano. Além de "Errática", a aliança conterrânea opera milagres no baticum celebrante de "Bahia, Minha Preta", que exala a independência cultural da "rainha do Atlântico astral".
Escalada para o disco anterior, a balada "Nuvem Negra", de Djavan, permite espaços amplos à cristaleira vocal da cantora, que invade a aspereza na dualista "Você e Você" ou mergulha no túnel da nostalgia deprimida em "Mãe da Manhã", ambas de Gilberto Gil. Mas, as maiores ousadias, Gal reserva para o imprevisível Jorge Ben Jor, responsável por um de seus primeiros sucessos, "Que Pena". Suingando nas síncopes sensuais de "Bumbo da Mangueira" ou nos requebros do funk "Eu Vou Lhe Avisar" e do a afro "Alkahool", a cantora singra o surrealismo das imagens desse Salvador Dali do samba, a bordo de jogos de timbres inesperados e improvisos sem palavras. vale como uma prova de fogo à beira do abismo. O que vier ela traça."
Por Tárik de Souza -Revista Isto É - 1993
Bela resenha,enxuta e direta,sem trelelê.
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