Crítica: Em "Hoje" intérprete mostra folêgo e coragem


"Hoje" não é redenção milagrosa de Gal, como cogitavam fãs descontentes e críticos contentes com o desgoverno recente de sua carreira, e muito menos um desastre. É um bom disco, cujo mérito maior é o renascimento da coragem da cantora.

Gal Costa rejeitou o modelo embalsamador de diva, que ameaçava incorporar, e voltou às novas composições. O resultado de suas colheita é irregular, mas os bons frutos são maioria.
Um deles é a faixa título, canção de Moreno Veloso que tem sua força na extrema delicadeza de melodia e letra. Na mesma chave está "nada a Ver" (Hilton Raw, Lenora de Barros e Marcos Augusto), em que a melancolia das notas longas se traduz no piano e no baixo acústico que acompanham Gal.

César Camargo Mariano volta a brilhar no piano e  no arranjo de "Pra Que Cantar", um belo samba de fossa anti-carnaval ("Me deixem de fora dessa euforia de três dias") de Nuno Ramos. O artista plástico também é um dos autores de "Jurei", eficiente sambão com toques jazzísticos.

Em "Os Dois", a melodia de Moisés Santana é ótima, um samba-canção que vira blues nas regiões graves, mas a letra traz o enjôo das duplas citações: faz jogos de palavras com músicas de bossa nova, como Caetano Veloso fizera em "Saudosismo".

"Santana" (Junio Barreto e João Carlos), de letra intrincada, ficou com boa mistura entre acústico e eletrônico, emulando um pouco de Jorge Ben Jor. Este é referência nítida em "Logus Pé" (Tito Bahiense), um passeio surrealista pelas ruas de Salvador, que ganha de Gal interpretação à anos 70.

Em "Voyeur" (Péri), a tibieza da música é disfarçada pela agradável leveza baiana do clima criado por Gal e César. Essa leveza também esta´na faixa de abertura, "Mar e Sol", mas a letra de Carlos Rennó para a melodia de Lokua Kanza é por demais banal.

Os dois são parceiros na também banal "Te Adorar" e na múltipla "Sexo e Luz", que cativa pelos caminhos inusitados e crescendos, ótimos para Gal. A gravação tem vocais de Kanza, bem superiores aos que o paulista Silvera faz em outras faixas.

A contribuição de Caetano Veloso ("Luto") é, também, uma bela canção situada no Carnaval, sofrida declaração de amor a festa. Chico Buarque, ao lado do aqui letrista José Miguel Wisnik, participa com a deliciosamente sinuosa "Embebedado".

Cantando com suavidade e novo folêgo, Gal encontra o amanhã em "Hoje".

Luiz Fernando Viana
Cotação: ***

Comentários

  1. O disco foi um pouco decepcionante, tive que me esforçar para gostar dele, passado o lançamento, nao voltei à escutá-lo.... Te Adorar é irritante de tao banal, me lembro que na primeira audiçao ia dizendo, antes, com que palabra acabava cada verso. Os arranjos tampouco ajudaram, se fossem na linha do Estratosférica, teria ganahdo muito............ os arranjos sao 50% de um disco, os outros 50%, o repertorio.
    Sensaçoes e recuerdos agridulces.

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