Disco: Mina d"água do Meu Canto: Gal busca frescor com Chico e Caetano

"Mina D'água do Meu Canto", nome do novo disco de Gal Costa não é apenas verso da única inédita, o belo "Como Um Samba de Adeus", homenagem a Tom Jobim feita Por Caetano Veloso (música) e Chico Buarque (letra), que assinam todas as canções do álbum. A capa aquosa ajuda a reforçar o conceito do CD de 17 faixas onde a cantora procura uma purificação. "Queria trazer a tona o frescor do canto, zerar a técnica e os vícios, buscar aquela Maria da Graça, admiradora de João Gilberto", prega a ex-Gracinha do início de carreira. Ela se reconhece logo nesse espelho que não é Narciso nas buarquenas "Morena dos Olhos d"água" e "Desalento". E por conta do compromisso, alterna no roteiro audácias e convenções. Sublinha o lado clássico da obra de Chico (A Rita, Quem Te Viu Quem Te Vê, as Vitrines) e as várias faces de Caetano. Do vanguardista de "Pelos Olhos" com clarineta e trompa ao fadista nordestino de "O Ciúme", envelopado como seresta de câmara num dos melhor arranjos do produtor do disco, Jacques Morelenbaum.

Outro destaque da arquitetura instrumental do maestro - que cita "Garota de Ipanema" e Claus Oggeman, o arranjador favorito de Tom na faixa que o homenageia - é o jardim suspenso de pzzicatos de "Cajuína". Gal trocou figurinhas com o arranjador ("sugeri um trecho de "Samba do Avião" em "Futuros Amantes", que fala do Rio, garante ela). Não temeu enfrentar o rap/samba invertebrado da caetanave "Língua" ("é um desafio inusitado pra mim porque não tem melodia cantável"), com discurso inaudível de Gerado Thomas, em alemão, por telefone de Nova York. da jam sessions funk de "Odara" ao afro populismo reciclado de "Milagres do Povo" (ambas de Caetano) tudo retine no cristal de Gal, uma garganta serena que não teme confrontos. Regravou "Atrás da Porta" mesmo após as indeléveis versões de Nana Caymmi, Maria Bethânia e Elis Regina. "Tinha que dar a minha leitura", defende.

Tárik de Souza - Jornal do Brasil - 6 de maio de 1995