Disco: Lua de Mel: Gal Costa mantém a sua imagem de dama da canção
As rivalidades não tem nem Graça: ela é a voz do Brasil. Gal Costa chegou a um ponto máximo na música popular, tornou-se uma espécie de instituição, que a cada disco - melhor ou pior - apenas confirma seu lugar. O lugar é de "dama" da canção, ou qualquer coisa do gênero, que sirva pra designar a posição de uma artista entronada, estabelecida a tal ponto que dela não se espera mais invenção e turbulência, apenas maestria e manutenção de uma media de qualidade.
Um lugar, certamente, careta, com todos os significados sinuosos que Caetano Veloso à palavra em "Vaca Profana", gravada por Gal em outro LP - o que quer dizer que pode ser uma coisa careta dizer que o disco é careta, já que esse é seu suposto.
Não acredito que alguém ainda espere de Gal Costa a reedição de suas performances dos anos 60/70. mesmos os mais renitentes nostálgicos já perderam as esperanças fa-tais. a imagem da rebeldia e sensualidade de quinze, vinte anos atrás, é apenas uma satisfação da memória. Para o mal de uma área do público, ou para o bem de outra, Gal adotou definitivamente o gênero "jovem senhora" - tão a gosto de Guilherme Araújo, um dos promotores da mudança. Ao trocar de campo, saiu dos filhos e foi para os pais.
Um redirecionamento deste tipo, para ser mercadologicamente bem-sucedido, teria que ser global - em todos os sentidos. E foi. Das roupas, dos cabelos, do "make up", até o repertório, os gêneros, os arranjos, houve uma evidente transformação. Show-business. Ficou, entretanto, a voz. Menos agressiva, mais suave, mas sempre melhor. Ouvir Gal cantar é um prazer.
E é este prazer, mais uma vez, o que há de melhor neste "Lua de Mel Como o Diabo Gosta", um LP feito com os ingredientes do sucesso, nem sempre palatáveis para o gosto mais exigente. Cercado por uma sonoridade com a marca das tecnologias de estúdio, o disco cai vertiginosamente quando fica só nisso, azucrinando como chicletes de ouvidos, como é "Sou Mais Eu" de Paulo Massadas e Michael Sullivan - ou vice-versa. Melhora muito quando os clichês repetidos pelos arranjos não chegam a incomodar as músicas mais sofisticadas, como é o caso de "Todos os Instrumentos", de Joyce, uma das melhores faixas do disco.
Das dez canções gravadas, três são de Lulu Santos. A começar pela que dá título ao LP, a já conhecida "Lua de Mel", que Gal regravou com tudo certinho, fazendo um melzinho para os corações melífruos. Melhor é "Arara", que abre o lado 2. A boa conjugação letra-e-música feita por Lulu Santos permite a exploração de uma voz suave que se transforma - no verso "se não posso virar uma arara, uma arara, uma arara" - em canto onomatopaico, arranhado como o grito do pássaro. Também de Lulu é "Creio", uma canção redonda, meio rock, meio bolero, com clima nordestino.
Caetano comparece com "Tenda", que não chega a brilhar. Há ainda os previsíveis Milton Nascimento que investe na sensualidade em "Me Faz Bem", Gonzaguinha (no coquetel rock-xote "Morro de Saudade"), e Djavan, que divide com Ronaldo Bastos "O Vento", uma daquelas com cheiro de rumã, como pronuncia Gal. Menos previsível é a versão da balada "Here, There And Everywhere", feita por Fausto Nilo.
Enfim, nada de novo na vitrola - que aliás, ninguém estava esperando e que ninguém estava prometendo. Quem gosta de Gal, gostará. Quem não gosta, pode continuar de costas.
Marcos Augusto Gonçalves - Folha de São Paulo -16 de dezembro de 1987
Ouvi muito em minha vitrola.A crítica sempre fazendo o papel da crítica.Atualmente a crítica especializada pega mais leve com os artistas - Deve ser o tal do politicamente correto.
ResponderExcluirConcordo com ele, acho, inclusive que foi generoso........ a crítica geral foi muito mais agressiva. Tenho claro que foi o seu pior disco....... até aquela data, mas era a consequencia de um proceso e o retrato de uma época.......... até que, em 2001 saiu o De Tantos Amores... a este nao encontró explicaçao até hoje..... depois de Plural, Gal 92, MIna d'água, era um retrocesso.... realmente pensei que Gal se havia cansado de cantar............
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